quarta-feira, 3 de março de 2010

Complexo da tristeza urbana


Fui no despedaço do recomeço
a paisagem azul, encapsulada
desejos de apreço, mais nada.

Fui como quem se despede da vida
“terra à vista” um grumete brada
sonolento, esquecido na gávea
empalado no mastro
sob velas enfunadas.

Não é terra de todos
o que daqui eu vejo e me despeço
o lapso desnecessário, um átimo
indevido, um corpo enquadrado
na paisagem ácida, dissolvido.

Fui como quem detem um sonho
à parte e ainda
mas, ...que longe!
Se vai a arte da boa vida
na chuva que goteja intermitente
Chuva à toa, inclemente.

A cidade sangra
uma estranha euforia
e força.
E havia a tarde
mordendo os calcanhares
como um cão acima de suspeita.

Antes que entre em cena
a estrela sórdida e vária da morte
saiba que la sonrisa
permanecerá afeita
bem mais ao tempo
do que a Mona Lisa
que carece de sentido;

saiba que permanecerá
na praça de Ciudad Vieja
em Montevideo
o pórtico fundante e roto
que resiste às ocilações sismicas
mas nada diz
da utopia renovada
na cidade e no coração.

Há um Rio que deságua
no mar d’minha alma
O rio de minha Almada
Ricardo Reis
Há para mim uma cidade
de porto na Galiza
Bastavalles
onde há uma selva de eros/erros
onde me quedarei morto.
Me alicio nos nacos deste pão mofado
no olhar cético e que vai alem;
vou absortamente
e não descubro similitudes
com o estar vivo no vivo da solidão.

Há sim as dores difusas no peito
peito sem pai
como em acidentes cardio-estelares
enfartos agudos no negro do céu.

Há cores e vernizes
venturas em tons inúteis, revelados
contra todas as diretrizes do eu.

Malabares. O homem sobrevive
e só. O homem não cura nada
contamina a cidade nua
a vida e a genética.
Não protege a linda menina
que deleita os olhos
e nos salva da ativa degradação.

Não há notícias boas
sobre o mundo
a Cibernética pouco pode.
Há um fervilhar, promíscuo deambular
de obras sem sentido, com sentido, nas ruas
no big show dos pobres na televisão.
Já nós, mais pobres do que bigs brothers.

Temores automotrizes no mar, alto-mar
lá longe, no oceano indico, de vazão
tão antiga e longe que é ante-ontem
e não muda destinos.
Só os muda, a Gato Preto.

No ar, a verdade do povo, a mentira
os amores vãos, passivos, tão de perto
sobreviventes, tão supinos
que as mortes se enlutam da vida
e as mulheres dementes em promissão
carpidam nas crenças
suas disposições ilusórias
para o amor, provisórias porções
de afeto, pouco a pouco, tão pouco
que é quase um nada
e que ainda assim, persiste.

Morre mesmo à mingua
esta gente abandonada.
Não há libertação possivel.
Adentram por cada porta que se abre
e que se vão fechar, incontinenti
ao afeto que não há
em um estranho saber nada
e continuar.

O contrario é ficar
na dor de não ter ido
na dor contida e válida da mãe
diante do filho morto
pela polícia ou pelo tráfico
é ficar o medo de que nos cortem os pés
que doem, tropicantes
afoitos, desafortunados
que só sabem caminhar
na direção do sem sorte.

Sobre o Gávea Trade Center burgues
enquanto me despeço, há uma tristeza
de periferia; chove e tudo é o mesmo, afinal.
As misérias só fedem odores diferentes.
Só as luzes do Túnel Dois Irmãos
se acendem na cidade; túneis não se obrigam
à rotina da urbes.
Restam ilusões iluminadas.
Restam pastiches nas paredes nuas, metralhadas.
Filhos, orgasmos, ilhas, carnaval e enganos
de um amargo coração de algibeira.
Desde o Complexo do Alemão
o dia persegue o dia e a vida
pois que sempre se desce o pano
nas cinzas da quarta-feira.

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Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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