quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

ANUNCIO

Vendo Rins em bom estado
Garrafa pra colecionador
Pimenta curtida
Capino terreno
Faço frete
Alugo obras de artes para enfeitar a sua casa
Troco pequenas coisas
Canetas pregos parafusos
Botões cartões
Atraso o relógio
Lubrifico a porta
Tiro merda do cachorro
Cuido do seu jardim
Por alguns reais faço um verso pra você
Invento receitas
E de quebra te dou um soco no olho
Um tapa no pé do ouvido
e ainda engraxo teus sapatos.

Welington de Sousa / RJ
O SEGUNDO LIVRO

para Ricardo Sant’Anna Reis


Em setembro tomei conhecimento do livro. Sei que se trata de um volume de versos. Sei que 119 poemas preenchem suas páginas e no meio desses poemas existe um para mim. Tencionei comprá-lo. O amigo-escritor me prometeu várias vezes o mesmo exemplar que nunca chegou. A timidez impedira a postagem? Teria afundado em auto-mar ou pilhado por piratas? Quais mãos e olhos agora compulsam, lêem e se maravilham? Seriam mais dignos? Nunca saberei. Por algumas noites sonhei com o livro e seu autor. Sonhei suas páginas cheias de beleza e erudição. Sonhei o mundo que outro sonhara, sonhei suas palavras, seus pontos de vista. Sonhei sua melodia, sua eufonia, página a página. Depois sonhei com o autor e seu livro. Sonhei sua guerra com as palavras e sua trégua. Sonhei suas descobertas e suas desilusões, suas tentativas e derrotas. Sonhei suas noites em claro. Sonhei sua persistência. Sonhei, por fim, o livro acabado. Depois descobri que o volume não se acabava, que já era outro: renovável, randômico. Que nele encerravam 119 poemas incertos. Que nele habitavam 119 poemas inacabáveis. Já não desejo a primeira obra (para mim, menos real). Esta, sem a negar, à outra superou.

Obrigado, amigo, pelo presente.

Texto de Fabiano Silva, poeta de Belem do Pará/PA
BRAMIDO EXALTADO


Ó, Ricardo!
Domador de animais invertebrados
taxidermista de criaturas extintas
perdidas na ignorância e lassidão.

Ó, Ricardo!
Teu rio verbal, largo e intempestivo;
imitatório de meu rio natal, o Guajará,
rio de águas profundas e escuras.

Ó, Ricardo!
Poeta abissal, para te consagrar
vesti-me da malha da metáfora:
rompe com teu verso o Tempo

e outros deuses.

Fabiano Silva, poeta de Belem do Pará/PA

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SER MÃE

Evoca as partes expandidas
lançadas ao mundo, ao engano.
No risco de ser, atua, revolta-se.
Ilha perdida, no filho se ausenta.

A marca de estar, assim, tão só.
Muda, inócua, flutua o olhar
pão, denso ar, nada.
A fala só repete a fala.

Há uma sede de calmaria.
Um fel há, que suplanta a ira.
A cria lhe vem como simbolo
da eternidade, amor e morte.

Retorna um vento ocluso.
E a mãe lambe a ácida cria.
O gen intempestivo e cruel
busca o existir
na vida que já se retira.

ERRÂNCIA

Somos o nada
E também somos
O que pudemos
Ser
Por força
De sentirmos
A claridade
À cada
Amanhecer

Se já é tarde
Na vida
Que o crepúsculo
Sorva o que sobrevier
Inda que triste
Sob revolta
De tudo que não se foi
E mesmo sem
O enternecer

Pouco se aprende
Com a vida
Pois pouco há
Para se aprender

Seguimos, nós
Tortos, no rumo
De um mundo
Que não se avia
Onde o erro
É sempre algo
De mui pouca valia.

Ode à Cecília Meirelles



Ah, que estava eu poeticamente morto,
e o teu frágil encanto, mudo,
desde os Açores de tu avuela,
que letra por letra te ditou...
O teu canto à minha alma tocou.

Ah, Cecília leve de quase nada
desejo de quase tudo.
Um canto místico, um céu maior
assim marcado de estrelas
refletiu-se no mar, o cristal
ressoou em palavras belas
um soneto do amor total
que a pena sentida riscou.

Ah, poeta, o teu poema
esta emoção e este rigor
do absoluto, este afã
da poética pura
da vereda que vazou
para inundar-me o viver.

E a vida precária se augurou
em versos
para me ver renascer.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A LÍRICA

a forma nua
conformação poética
a forma mais pura
academica
um tema lírico
para a contemporanea
emoção

algo assim viagem à lua
e não adormecer na aurora

de resto
romper o simbolico
na madrugada à velar
na expiação da noite
que a tarde veio anunciar

em miséria
sonolento resto
retrato do momento
as mãos lividas
contaminadas
de modelar culpa e gesto

vai a forma mais nua
poética anti-arquitetura
poesia de lassidão
incerta lacuna
desejo de morte

poética crua
navio exótico
se afasta do porto

sozinha no mar
a alma flutua

o que fazer da vida
se ao fazer nada é certo
nada é lírico
sob um pálio pobre
inda que belo o deserto

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

OS SETE PECADOS - GULA

engolir-te feito o sorgo
engole o gado, feito a tarde
que se anuncia como
tenue madrugada

devorar-te com os dentes
incisivos
que destricham a carne
nua e alada
pudenta e crua

como a lingua
que estraçalha
em priaprismo
no corpo do figo
o erotismo

provar-te
suprindo o mesmo gosto
e a repetida gula
de quem se prepara
tanto para conhecer a Deus
quanto a dulcissima
ambrosia dos santos

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Ciclo I

a noite já ia alta, perseguindo o fim do dia.
cães e gatos pardos fugidios, se confundiam
errantes, com as almas desencarnadas
na praça provincial

Ciclo II

no silencio da noite inquieta e insone
se abria na lua cheia
à ronda do lobisomem.

correm as mães à fechar janelas
antes que o luar atice
libertinagens às filhas

mas fora os tremores próprios à idade moça
onde cuidados se mostram sem valia
as crianças há muito já dormiam
protegidas do mal pela Ave Maria

pelas frestas se observam passantes solitários
vultos apressados, bêbados em arruaça
(alguns caídos nas calçadas)
que sonham com as alturas do Aconcagua
e no sopé, vales de prados floridos

Ciclo III

na praça, também, somente as flores do canteiro
indefectíveis, cumprem seu ciclo sem dor
mitigadas desde sempre pelas gotas orvalhadas
que caindo, anunciam o alvorecer

EL OTRO YO


De Mário Benedetti

Se trataba de un muchacho corriente: en los pantalones se le formaban rodilleras, leía historietas, hacía ruido cuando comía, se metía los dedos a la nariz, roncaba en la siesta, se llamaba Armando. Corriente en todo menos en una cosa: tenía Otro Yo. El Otro Yo usaba cierta poesía en la mirada, se enamoraba de las actrices, mentía cautelosamente, se emocionaba en los atardeceres. Al muchacho le preocupaba mucho su Otro Yo y le hacía sentirse incómodo frente a sus amigos. Por otra parte el Otro Yo era melancólico, y debido a ello, Armando no podía ser tan vulgar como era su deseo.
Una tarde Armando llegó cansado del trabajo, se quitó los zapatos, movió lentamente los dedos de los pies y encendió la radio. En la radio estaba Mozart, pero el muchacho se durmió. Cuando despertó el Otro Yo lloraba con desconsuelo. En el primer momento, el muchacho no supo que hacer, pero después se rehízo e insultó concienzudamente al Otro Yo. Este no dijo nada, pero a la mañana siguiente se había suicidado.
Al principio la muerte del Otro Yo fue un rudo golpe para el pobre Armando, pero enseguida pensó que ahora sí podría ser enteramente vulgar. Ese pensamiento le reconfortó.
Sólo llevaba cinco días de luto cuando salió la calle con el propósito de lucir su nueva y completa vulgaridad. Desde lejos vio que se acercaban sus amigos. Eso le llenó de felicidad e inmediatamente estalló en risotadas. Sin embargo, cuando pasaron junto a él, ellos no notaron su presencia. Para peor de males, el muchacho alcanzó a escuchar que comentaban: «Pobre Armando, y pensar que parecía tan fuerte y saludable».
El muchacho no tuvo más remedio que dejar de reír y, al mismo tiempo, sintió a la altura del esternón un ahogo que se parecía bastante a la nostalgia. Pero no pudo sentir auténtica melancolía, porque toda la melancolía se la había llevado el Otro Yo.

A BIBLIOTECA DE BABEL


de Jorge Luis Borges


"O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito. No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante.(...)"
ESCRITO NUM LIVRO ABANDONADO EM VIAGEM

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Ofício de Viver


a disposição dos espaços
o burburinho buliçoso
das borboletas corais
o engenhoso trabalho do besouro
roendo a lenha aos nacos.

na servidão dos caminhos
acerados pela relva
sorve, o passarinho
para o seu canto matinal
as gotas de orvalho
ficadas da noite.

o filhote gorjeia no ninho
no alto de um pé de pau.
um balido gesto, que seja, um ato
introduzindo nos princípios da tarde
a sinfonia magistral dos insetos
grilos e cigarras, para ser exato.

o céu, corta-lhe
o vôo planador da seriema
olhos de lince
caçando a cobra buraqueira.
no longe, crianças brincando
celebrando a vida inteira.

e o dia, então, se exerce
de um modo pluriforme
sob o impacto da perfeição
daquele único e tênue momento.

não há razão para tragédias
crueldade, anulação de sentimentos
na forma do natural desdobrar
de um destino de ocorrências.

dado fosse ao homem alcançar
a virtude em o seu ofício de viver
fincaria os pés no barro
deixando a vida acontecer.
Olhos baços

Tentar outros olhos/olhares
outro tempo no mesmo rosto
o retorno medindo a partida
novos lugares, nova vida.

Tentar no amor que apraza
em doses homeopáticas
na vã ciencia
reações assintomáticas.

A voz de barítono
o timbre de clarineta
o grito correndo
no stratu
vibrações estáticas
da existência.

Se derramam por sobre a terra
por hemisférios, as lavas
de um ativo ou extinto vulcão.

São os mistérios da poesia
que brilha na fonte cristalina
de teu olhar, na eclosão da sede
que nenhuma arte sacia.

O Tempo Carbonário


Maio de 1968. Em Paris as barricadas de “Danny Le Rouge” espalham-se pelo Boulevard Saint Mitchell e se irradiam pelo mundo. Os ecos concêntricos da ideação política criadora crepitando no fogo dos carros incendiados nas esquinas. Afirmava-se o estar em sociedade, de forma critica, herança paterna dos Girondinos da Revolução fraternal de 1789. Distraída, uma jovem muito linda observava o lume clareando
as cercanias e o seguir de um pequeno barco pelo Sena, em calma existencial e transcendente. Na ponte gótica em arco a menina sem magoa, musa da liberdade e dama pura do ideal romântico, deixava fluir os pensamentos, debruçada na amurada. Vê, também, o seu semblante triste se refletir na água. O barco seguia o curso do rio de velas içadas, como metáfora do juvenil movimento. Ela acompanhava-o com olhos próprios da tenra idade, em que, na descoberta da vida, também a ilusão se desfazia sob as marolas de alheamento do haxixe e do ópio. Pensava a musa no amor eterno. Ah, como me alegra imaginar tal desvelamento fundador de atitudes, nas ruas, percorrendo em velocidade. A velha Franca, a velha terra que se afastou da Renascença, vivia a derrota inevitável. A Imaginação no Poder ia mudar o mundo. Destruir a fé nos avatares do colonialismo, do terror global, da detente americana. Jovens artistas insubmissos passeavam pela cidade com o ar de entojo, tipicamente francês, rejeitando os costumes carcomidos do vetusto burguês. Não vejo mais o barco. Distancio-me da Pont Neuf e de sua sobriedade medieval católica. Por quatro décadas velei em minha mente, de olhos cerrados. Via-a (a menina) estática, em cinematográfico plano longo, musa plangente. Ficou na ponte mirando-se, bela, nas águas do sensual burgo parisiense, entre as memórias da rebeldia, um barco a vela, indo e vindo, ali ficou eternamente. Cena linda de se ver para o voyeur do tempo. Cena tão cara, digna da invenção de Lumiere. Sem respirar o velho tempo fez um desafio que à Revolução não se destinava: O tempo parava. E parado, assim, ficava num lívido assente. Tudo para que pudesse dedicar-se ao encanto/desencanto de assistir à menina, quando esta, revelada mulher, sentia-se espantada com a bem-aventurança. Porque é tão recorrente e clássico o tema da beleza feminina. Porque incendeia a alma, é carbonário e também, motivo de celebração, que uma mulher tanto nos alumbre, sendo uma coisa tão rara, a musa, muito embora tão presente.

Copacabana




o bairro de Copacabana, em luz diáfana
vive carregado de sua preguiça diurna
de seus pecados soturnos, da noite
com as suas emoções prévias.
ai de ti Copacabana, que em tudo
te perdoam os devotos de tua elegia
para que disponhas, eternamente
a passarela de pedras portuguesas
ao cair da tarde
e te permitas às lascivas línguas
das ondas brancas do mar
que te sorvem
desfazendo o contorno duro das formas
e fazendo-te entranhar
mais e mais
em nossas almas citadinas.
ai de ti mulher mundana
vestal senhora
que caminha nua pela noite.
eros não te condena; antes
te comemora
e ao teu trotoir de malícias
e abriga-te em colo divinal.
não irão, também, macular-te
os homens severos
pois és afinal, Copacabana.
apenas permanecerás
digna e condenada
à uma insonata secularidade.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

TODO APOIO À LUTA DOS GALEGOS POR LIBERDADE CULTURAL


Você sabe onde fica a Galiza?

A Galiza é uma região junto ao norte de Portugal, próximo a Trás-os-Montes, onde nasceu a nossa língua. É a Pátria Mãe (ou Nai, em galego) de nossa Língua Portuguesa. Rica em tradições que remotam a constituição do homem ocidental, a Galiza possui um povo com espírito guerreiro, constituído a partir da cultura céltica, com enormes vínculos com entes naturais e sobrenaturais que habitam o seu imaginário e os seus bosques druidescos.
É um lugar onde se respira magia, poesia, beleza e tradição. A cidade de Santiago de Compostela é na Galiza. É uma nação estabelecida por poetas (Rosália de Castro, Eduardo Pondal...) que lutaram pela prevalência de uma identidade cultural galega, da língua galega, contra toda a tentativa de sufocá-la. Por razões histórico-políticas, seu território foi anexado à Espanha que desde há quinhentos anos tem buscado anular a identidade cultural do povo galego, obrigando-os a ortografia e ao falar do castelhano. Mas, fato surpreendente para nós brasileiros, este povo sempre resistiu às pressões, nunca abandonou sua identidade galega, mesmo se espalhando pelo mundo. Um povo que tem memória e que resiste galhardamente às proibições de que se falem a língua materna, o Luso-Galaico (bastante similar ao nosso português).
Recentemente foi constituída a AGALP – Academia Galega de Língua Portuguesa, com o decisivo apoio da ABL, através do acadêmico brasileiro Prof. Dr. Evanildo Bechara, nosso maior lingüista. Os galegos têm promovido manifestações a favor da Democracia Cultural, da cidadania liguistica, manifestações estas que tem sido duramente reprimidas pelo governo espanhol, que nesta matéria parece usar os métodos e argumentos de seu passado franquista. Imagine você, brasileiro, se lhe fosse proibido falar em seu idioma? O que você sentiria? Esta é uma causa de caráter humano, cultural e democrático, a qual vale à pena abraçar.
Ricardo Sant’Anna Reis, sociólogo e poeta, membro do Conselho Científico da AGALP.

Saiba mais sobre esta nobre luta cultural
(Carta escrita em galego pela poeta Concha Rousia, membro da Academia Galega de Letras Portuguesas, e uma das lideres do Reintegracionismo, que luta por fazer a Galiza membro efetivo da CPLP – Comunidades de Países de Língua Portuguesa).
“Nosso pais chamava-se Galaecia (de Gallaecia ou Callaecia, em Latim, Terra dos Kallaeci ou Calaicos). Com povoamento continuado desde antiguidades fabulosas já existia como território diferenciado quando os romanos, no século II antes de Cristo, procedem a sua integração e impõem o Latim. É um território singular reconhecido na Europa desde a Idade do Ferro, ainda que existam testemunhas arqueológicas a certificarem o seu povoamento desde o Paleolítico Inferior, e como parte já desde a Idade do bronze da Área cultural atlântica, conformada pelas costas Ocidentais e ilhas européias. Nomeada como província do império Romano na sua extensão original desde a Divisão de Dioceclano (298) respeitada durante muito tempo, enquanto esse império ocupava o resto da península, e grande parte da Europa. Constituída como Reino Independente polos Suevos (em 409) foi um dos primeiros estados da Europa. Integrado em 585 à monarquia visigótica recupera a sua identidade com a chegada dos árabes a Hispânia (711). Motor militar e econômico do Ocidente da Península ibérica, o Reino da Galaecia tinha como língua a mesma que segue a ter, e que na altura se chamou galego e que internacionalmente se conhece como Português. A nossa língua foi desde o seu nascimento a língua nai de poetas, os Provençais afirmavam que apenas se podia trovar numa quantas línguas: Provençal, Francês, Galego, Toscano e Siciliano... E há quem diga que a língua Galega foi a que influenciou a língua da Provença e não a inversa... há quem diga também que o celebre poeta Dante Alighieri teria escrito originalmente o seu clássico “A Divina Comédia” em galego. Como quer que fosse era língua de cultura e poesia. As vicissitudes da história (escrita não por nós e mal contada) fizeram com que aquele reino se partisse em dous, ficando separados para sempre, com o tempo e as alianças a parte que é a Galiza atual, foi ficando mais é mais ao serviço dos interesses de Castela, quem usurpou o seu protagonismo histórico e sempre se encarregou de a castigar. Primeiro fazendo ir a menos a menos a sua população que era muito numerosa, e depois controlando os seus recursos... até o dia de hoje. As normas impostas desde Castela desde há 500 anos foram fazendo com que a gente perdesse a sua escrita. A nossa língua foi então língua falada sem escrita. Mas sempre houve nos espaços cultos um elo nacional e elementos transmissores da língua, especialmente desde meados do século XIX num processo de recuperação que chamamos "Rexurdimento" que provocou uma aceleração político e cultural nas reivindicações lingüísticas e nacionais que chega até a Guerra civil espanhola (1936-39) e onde abrolham os nossos mais importantes vultos literários (Rosália de Castro, Manuel Curros Enriques, Eduardo Pondal, Daniel Castelão, Otero Pedrayo, Vicente Risco). Após uma brutal repressão (fuzilamentos, processos judiciais, depurações, exílio) nos anos da ditadura franquista do 1939 até 1975, nossa língua era proibida mesmo na sua forma oral.
A nós se nos castigou duramente nas escolas, com castigos físicos até, para que abandonássemos a nossa língua e falássemos apenas o castelhano. Mesmo assim, a nossa cultura deve ter tal força que nunca conseguiram que a gente deixasse de falar. Embora aos poucos a gente vai cansando e muitos, a cada vez mais, nos últimos 20 anos passamos de um 90 % de falantes a talvez um 70 %. O último como que agora nós atacam é a defesa dos falantes de língua castelhana que moram na Galiza. Desde finais dos anos 70 que morre o ditador Francisco Franco, permite-se-nos falar e escrever na nossa língua mas com muitos atrancos, e com muita discriminação, a dia de hoje há pessoas que são despedidas dos seus empregos por utilizarem a nossa língua, outros é-lhes exigido que falem apenas castelhano com o público e com os companheiros de trabalho.
A ortografia que escolheram os governantes no seu dia, desde que se nos permite escrevê-la, foi a do castelhano, uma aberração do ponto de vista lingüístico e mesmo histórico. Mas há também quem pense que eles não queriam que a língua se relacionasse com a de Portugal nem do Brasil e criaram uma ortografia que chamamos de norma Instituto da língua Galega/ Real Academia Galega, mas que é um engendro terrível que faz é desvirtuar e ir afogando a nossa riqueza lingüística e fazer com que o galego a cada dia se pareça mais com o castelhano, e vá sucumbindo. Não vou pôr nome a isto, a história se encarregará de fazer.
Com as políticas feitas desde Madrid, com 10 canais de televisão a falar em castelhano (na nossa língua apenas 1) e as TVs de Portugal a dia de hoje proibidas (por Espanha) no nosso território, enquanto em Portugal sim que podem receber a TV da Galiza e todas as TVs espanholas) com jornais, e com os cinemas e demais todo em castelhano. A cada dia a nossa língua perde falantes, e perde a sua qualidade e originalidade. Portanto como o numero de falantes de castelhano vai em aumento começam as vozes dos defensores do castelhano que querem limitar ainda mais a nossa língua. Querem o que eles chamam 'liberdade de idioma' para que a gente que não quiser não aprenda galego nem na escola, enquanto o castelhano estamos TODOS obrigados a sabes e usar. De novo, não vou por nome a isto, que a história o faça um dia. Mas que não tarde. Tal como nós o vivemos, estamos sitiados, se não conseguimos ganhar força para a nossa língua ela morre e não tarda. Mas como ganhar força se nós estamos a cada vez mais débeis? Aí é onde entra a Lusofonia, de sempre na Galiza há unha corrente que luta pola integração do galego no português, a dia de hoje os linguistas não poderiam defender outra cousa que não seja que galego e português são a mesma língua, com duas historias muito diversas, mas apenas uma língua.
O nosso propósito é fazer visível a nossa realidade no mundo inteiro porque é de uma grande injustiça histórica o que aqui acontece, e é também um drama humano que haveria que evitar, mas nós sozinhos não podemos. Nós resistimos e resistiremos, mas necessitamos reforços dos nossos irmãos de língua, de nossos irmãos da Lusofonia. É com esse propósito que tem nascido muitos movimentos na Galiza, e tem nascido também a AGLP (Academia Galega da Língua Portuguesa). Se a nossa língua se pode fortalecer nós somos quem se tem que encarregar de conseguir esse fortalecimento.
Por outro lado eu sei que a língua na Galiza, por ter estado isolada, ou mesmo até por isso, conserva léxico e usos que a língua tem perdido no resto dos territórios, por tanto acho que se a língua se perder aqui onde, junto com o Norte de Portugal, está o seu berço, a língua vai perder uma de suas raízes mais profundas e vai-se ressentir, vai ainda padecer mais da já incurável saudade. É por isso que eu acho que é da incumbência de todos os falantes de português, morem onde eles morem, defender a língua na Galiza, pois também a eles pertence.
Eu sei que os irmãos da Lusofonia, dos quatro cantos do mundo, se importam com a nossa língua é por isso que a eles eu, quanto que poeta e contadora de histórias, quero levar estas idéias. Vão nas assas de uma melra que me fala desde o pessegueiro, e que me ajuda a escrever os meus poemas”.
Um abraço meu (minha) irmão(a) brasileiro(a)

Concha Rousia, Escritora, poeta galega e psicoterapeuta.

Se você se sentiu tocado pelo relato e quer ajudar ao povo galego a retomar o direito a livre expressão em sua língua natal, deixe um comentário-protesto a este respeito no site da “Xunta de Galícia”, organismo governamental que compõe o aparato repressivo sobre o povo galego por parte dos Espanhóis. O link é: http://www.xunta.es/envio-de-consulta-ou-comentario

PERFEIÇÃO


Mulheres com seios fartos
e corpos quentes.
Este sonho se repete
e as mulheres reincidem em mim
a alma de um pintor renascentista.

Seus corpos como pranchas
imaculadas, prontas à se preencher
com as mais vivazes cores da paleta;
ocre, vermelho carmim
amarelo ouro palestina
verde da profusão marinha
o azul prussiano...
As tintas vão espalhadas, secas e molhadas
pela saliva, pela ávida língua
no fio da terebintina.

Ao fim, a perfeição
de um ícone neoclássico
iluminura da mentira plástica
vazia, mas perfeita
como a ilusão de um quadro falso
no quarto de dormir
sobre a parede nua
lisa e fria.

Evoé!

Saiba que a sua visita e o seu comentario dão sentido a este espaço, que alem de divulgar poemas, quer conversar sobre a vida. Esteja em sua casa.

Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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