quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
O Tempo Carbonário
Maio de 1968. Em Paris as barricadas de “Danny Le Rouge” espalham-se pelo Boulevard Saint Mitchell e se irradiam pelo mundo. Os ecos concêntricos da ideação política criadora crepitando no fogo dos carros incendiados nas esquinas. Afirmava-se o estar em sociedade, de forma critica, herança paterna dos Girondinos da Revolução fraternal de 1789. Distraída, uma jovem muito linda observava o lume clareando
as cercanias e o seguir de um pequeno barco pelo Sena, em calma existencial e transcendente. Na ponte gótica em arco a menina sem magoa, musa da liberdade e dama pura do ideal romântico, deixava fluir os pensamentos, debruçada na amurada. Vê, também, o seu semblante triste se refletir na água. O barco seguia o curso do rio de velas içadas, como metáfora do juvenil movimento. Ela acompanhava-o com olhos próprios da tenra idade, em que, na descoberta da vida, também a ilusão se desfazia sob as marolas de alheamento do haxixe e do ópio. Pensava a musa no amor eterno. Ah, como me alegra imaginar tal desvelamento fundador de atitudes, nas ruas, percorrendo em velocidade. A velha Franca, a velha terra que se afastou da Renascença, vivia a derrota inevitável. A Imaginação no Poder ia mudar o mundo. Destruir a fé nos avatares do colonialismo, do terror global, da detente americana. Jovens artistas insubmissos passeavam pela cidade com o ar de entojo, tipicamente francês, rejeitando os costumes carcomidos do vetusto burguês. Não vejo mais o barco. Distancio-me da Pont Neuf e de sua sobriedade medieval católica. Por quatro décadas velei em minha mente, de olhos cerrados. Via-a (a menina) estática, em cinematográfico plano longo, musa plangente. Ficou na ponte mirando-se, bela, nas águas do sensual burgo parisiense, entre as memórias da rebeldia, um barco a vela, indo e vindo, ali ficou eternamente. Cena linda de se ver para o voyeur do tempo. Cena tão cara, digna da invenção de Lumiere. Sem respirar o velho tempo fez um desafio que à Revolução não se destinava: O tempo parava. E parado, assim, ficava num lívido assente. Tudo para que pudesse dedicar-se ao encanto/desencanto de assistir à menina, quando esta, revelada mulher, sentia-se espantada com a bem-aventurança. Porque é tão recorrente e clássico o tema da beleza feminina. Porque incendeia a alma, é carbonário e também, motivo de celebração, que uma mulher tanto nos alumbre, sendo uma coisa tão rara, a musa, muito embora tão presente.
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