quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

ENSAIO - A Poesia Hoje.


O atual momento da poesia no país se caracteriza por não trazer uma marca, um estilo literário próprio que defina o período. Talvez a grande marca seja mesmo a indefinição, o compasso de espera para uma nova fase, e isto é visto pela maioria dos criticos como etapa necessaria de maturação. Porem, de certa forma, esta visão parece-me que desfavorece o seu desenvolvimento, pois a não colocação do problema (ou colocação como problema) não fixa objetivos em torno dos quais se possa evoluir a reflexão critica necessária a quaisquer processos culturais. Existem hoje dezenas de pequenos grupos de poetas anônimos (conhecidos entre seus pares) que lutam de forma quase clandestina para mostrar a sua produção, contra o desinteresse das editoras. Estes grupos festejam a redescoberta do fazer poético como meio de sensibilização. Varias experiências de qualidade estão sendo geradas (no Rio de Janeiro existem mais de 60 destes grupos), em um retorno aos saraus e hapenings que foram característicos dos anos 70. Porem, por mais alvissareiro que seja, não parecem ainda ter encontrado um caminho valido para a afirmação do um novo patamar para a poesia, e temo que estejam (generalizando) prisioneiros de uma excessiva exitação, da plasticidade da experiência, centrados em encontros voltados para uma oralidade performática teatral, que incorpora poesia mas também desloca o foco do trabalho que parece necessário, entendendo a literatura (a poesia) como a mais alta das artes, pelo papel que desempenha na formação e renovação da línguagem. Está faltando o trabalho da dor, que impulsiona a criação, da qual nos falava Clarice Lispector. Alem dos mais, envolvendo experiencias realmente interessantes, temos uma maioria de frequentadores nestes encontros, que mais almejam realizar um contato social, o etretenimento, do que de fato se movam por interesse e ambições literárias. Ainda estamos longe de separar joio e trigo, no momento atual. Os grandes poetas nacionais, com efetivo espaço institucional, de certa forma tem sido os mesmos que ocuparam a cena nas décadas anteriores e que se mantem, com as devidas referencias ao tempo presente, fiéis aos seus estilos originais, divididos entre uma poesia contida ou derramada. Temos no primeiro plano, onde precedencia é posto, Ferreira Gullar, Gilberto Mendonça Telles, Antonio Olinto, Carlos Nejar, Manoel de Barros, Adélia Prado, Thiago de Mello, Afonso Romano, etc. Entre estes, há algum ensaismo e atividade critica reflexiva, alem do que os seus próprios poemas refletem um impressionante vivacidade e atenção com a contemporâniedade. Há tambem todo um time de poetas nascidos da experiência da poesia marginal dos anos 70, que marcaram a poesia contemporânea, herdeiros do Concretismo dos irmãos Campos e do Tropicalismo de Torquato Neto, da poesia de Paulo Leminski, como Cacaso, como os irmãos Wally e Jorge Salomão, Antonio Cícero, Secchin, Carlito Azevedo, Fabrício Carpinejar, Geraldo Carneiro, Chacal, etc. Foram vanguardistas e hoje fazem uma poesia exemplarmente moderna, que pontua-se como uma crônica do cotidiano da transição. A não renovação no panteão da lírica literária, denota uma das dimensões da crise de perspectivas por que passa a cultura nacional (e global) numa era de transição de valores políticos e culturais. A poesia, como elemento de compreensão e formação do espírito, perdeu substância e atuação. Embora mantenha o interesse de certo público intelectualizado, a poesia deixou à muito de representar a referencia que já foi no país quando nomes como Bilac, Augusto dos Anjos, casimiro de Abreu, Cruz e Souza, Drummond, Vinicius, Quintana, João Cabral, Bandeira, eram difundidos pelo sistema de ensino, e tinham quase a mesma visibilidade na mídia da época, que hoje é dada a uma “instant celebrity” da cultura de massas. A poesia quase desapareceu do horizonte da cultura nacional popular, acompanhando a decadência acentuada do ensino e a emergência dos novos meios de difusão cultural, como a televisão e a Internet hoje, responsáveis em parte pela cultura do descartável. Vive-se um momento singular e paradoxal de renovação. Há a necessidade de se revisitar valores e ideologias, repensar praticas, refletir sobre a identidade nacional, o desenvolvimento social e o lugar do país no mundo, o que abre para o pensamento e a arte em geral uma nova perspectiva. E nisto, creio que a poesia terá papel especial, em um momento em que outras abordagens, como a política partidária erstá tomada pela corupção e a religião cada vez mais obscurantista. Já não trazem em seu bojo a semente do futuro. Ai está a poesia chamada de novo a cumprir um papel revolucionário, embora poucos sejam os poetas que busquem pensa-la desta maneira. É evidente que não se fala a favor de uma poesia panfletária, de baixa qualidade, populista, denotativa, mas, ao contrario, em se investir em uma poesia de qualidade que avance em reflexão temática e lingüística, que impacte a necessária recuperação das estruturas educacionais, que assuma um lugar de vanguarda na unificação linguistiica da lusofonia, etc. A poesia deve entrar como disciplina especial, nos currículos escolares. É preciso fazer deste país uma nação de poetas. Que os poetas abandonem a postura diletante, superem a vaidade que emperra e embota a criatividade e metam a mão na massa. A poesia foi a primeira forma de apreensão e sistematização do conhecimento no processo cizilizatório ocidental, foi a primeira arma de critica social, como nas Satiras de Homeros, foi tambem a partir da reflexão poética que a humanidade pôde desenvolver as primeiras abordagens de novas disciplinas, como a Retórica e Filosofia, esta ultima a mãe de todo o pensamento científico (quem leu a Poética de Aristóteles, viu o esforço de ordenação de um pensamento racional a partir dos achados da Poiesis). Embora os filósofos tenham expulsado os poetas para a Arcádia, por medo de sua função necessariamente subversiva, a poesia permaneceu como um instrumento iniludível para a educação dos espíritos, atravessando todas as eras da sociedade humana, e por vezes assumindo papel de vanguarda na evolução social, haja vista a importância de poetas de renome para a formação social de suas nacionalidades, com Lorde Byron, Garcia Lorca, Neruda, Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Maiakoviski, Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa, Lorca, Ezra Pound, Whittman e Neruda, e em nosso caso, Castro Alves, Drummond, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac, etc. O que nos resta a dizer e a fazer? Muito. Todos os que somos verdadeiramente devotados à lida do fazer poético, temos o dever de repensar o nosso papel, o papel da poesia na contemporaneidade, trabalhando temas como o reencontro com o processo cizilizatório, com a educação e a construção do homem brasileiro do 3o milênio, com a promoção da sensibilidade e da mesura nas cidades, o fim da violência endemica e da intolerancia, o nao aperfeiçoamento das relações humanas, a injustiça social e o desenvolvimento, a superação das estruturas arcaicas remanescentes do escravismo, mas sem a constituição de outros privilégios, a democracia como valor universal, a reintrojeção da ética na política, a integração mundial da experiência poética, o favorecimento da formação de um público leitor, a recuperação do senso de coletividade e da solidariedade social, a defesa do meio-ambiente, a busca da valorizalção do individuo, da vida simples frente ao consumismo e a cultura de massas, etc. São inúmeros os temas que a poesia pode e deve enfrentar através da escrita, de seminários, eventos de rua, ensaios, etc. Este é o caldo de cultura para a emergência de um movimento poético que poderíamos integrar na categoria de um Neo-Romantismo para o século XXI, e que tenha como mote a expressão vivificada dos sonhos de felicidade submersos em poeira desde as frustrações humanas com as primeiras revoluções industriais, com as primeiras guerras de exterminio em massa. É preciso elevar a condição do homem moderno, celebrando a natureza humana e a vida em geral, de forma visionária e panteísta, sem fundamentalismos e barbarie. Do ponto de vista da forma literária, deve-se introduzir e favorecer a subjetividade na concepção poética, buscando nos versos livres a forma didática da expressão de um lirismo moderno, cujo parâmetro podem ser Watt Whittman ou Fernando Pessoa. Porem, não há cânone a ser respeitado. Deve buscar, revisitar palavras antigas, recriar sob todos os outros estilos poéticos, como o barroco, o arcadismo, o parnasianismo, o simbolismo, o naturalismo, o modernismo, o concretismo, com a liberdade de um tempo que tem necessariamente que ser uma síntese para (e da) experiência humana e brasileira, até aqui. Temos que enfrentar a era da imbecilidade tecnológica, que o unico esforço que nos exige é saber se meu celular é mais completo que o teu. O Neo-Romantismo deve favorecer a afirmação de uma Ética capaz de buscar reconferir dignidade critica a vida humana em sociedade, promover a criatividade e o conhecimento, promover o caráter revolucionário do amor entre os homens e do amor à natureza, o ideal democrático, ou seja: - Pode e deve a poesia ter relação direta com a vida real, tendo o individuo como medida das coisas, mas um individuo seja reflexo de suas multiplas determinações, e que busque a integração positiva, rejeitando a submissão a uma condição indigna. O nosso poeta Castro Alves e seu Navio Negreiro permanecem vivos como inspiração. O poeta, como artista, por possuir uma sensibilidade aguçada e deter os instrumentos formais da escrita, nem que seja para os abandonar a seguir, sofre de forma ampla as auguras de seu povo e das indagações intimas e existenciais e pode refletir possíveis caminhos de forma exemplar, sem dogmatismos, favorecendo a evolução da sensibilidade de todos. Com isto, a poesia se qualifica e assume a clara missão de sua santa utopia: A de nos tornar seres humanos cada vez melhores!

Ricardo Sant´anna Reis, Dezembro de 2008

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Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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