segunda-feira, 4 de maio de 2009

POEMAS ETERNOS AO VENTO


Ode à Neftalí Ricardo Reyes Basualto (Pablo Neruda).


Os ares madrigais que varejam o atlântico, dizem, poeta
de seus disseminados ventos, andinos, cegos, ressonantes
ventos que percorrem prados altos, plantações de trigo
e que balançam os longos cabelos das moças índias.

Há tempos que tais ventos vagueam por liberdade
esta musa, que, perseguida pelos infames é almejada
pelos poetas e vive no anseio que não se finda
dos povos do americano continente.

Procuro-te poeta pelos charcos clandestinos
pela pátria esquecida, pelos rios, veias rubras d´aurora.
Sobre igarapés, voam colibris e maritacas buscando o néctar
e os grãos. Já os visionários, seguem em direção ao poente.

Faz-nos falta o poeta da fome e da chuva, o poeta dos estios
da crepuscular dinamite, o pavio, o poeta das visagens telúricas
da noite, alpinista dos altiplanos de versos solares e sombrios.

Saciedade é a palavra que te revela
no alentado sentimento hermano.
Vida que cantastes em odes cheias
à labuta nas minas de cobre, estanho e carvão.
Que cantastes na canção do sal, nunca hermético
ao sentir dos injustiçados.

Teu poema argila vai modelando a vida
processando no desejo da luta líquida e contínua
e é servido em arpejos de anjos
para a consumição existencial.

Diz-me poeta de Antofogasta e de Parral:
- Que lhe diz a meia-noite profunda?
Tenho chorado, tenho chorado!
Teu povo americano (já éra hora) quer de novo canta-lo
numa ária gauchesca
como pluma atonal
num canto que enseje o poder de alcançar-te
nas plagas do ateu firmamento em que habitas
o poema eterno.

É hora de levar-te em passeio, do Chile às Minas Gerais
em visita a outro poeta, de outra tragicidade, de alma mineral
como a tua, plena de ferro e nuvem.

Retirar-te-ia um pouco de tua navegação
no sombrio pacifico de águas frias e perigosas
onde velejas como gostas, guardião de fronteiras
do Ethos latinamericano em formação.

Teu barco, teu verso de serenas sedas enfunadas
nos mares canônicos da beleza ocidental.
Odisseu redivivo de esperanças, deves ver de novo
os grandes condores do sul continente, aos pés da Patagonia.

Estes pássaros estão descendo
as paredes de montanhas de tua pátria
para selar o teu testamento de amor.

Escrevestes na consciência do tempo tuas odes
teus poemasde amor, promessas de um arrebol sem vilipendio.
Ecoam hoje sobre as nuvens das sensibilidades
no farfalhar da feira de Valparaiso
ou na Europa Setentrional
e também aqui no Brasil
de onde te revisito em poesia e pensamento.

Há um canto novo que todos os que quis ver irmanados
cantarão a uma só voz; toda a vida na mesma elegia.

E devemos cantar o poeta, antes mesmo que a poesia.
Vejo os ativos obreiros na zona industrial.
Vem e vão à construção de casas ricas
subindo paredes nuas.

Vejo crianças correndo à sorrelfa
mulheres livres e as moças pudicas
fervilhando pelas ruas.

Pergunto a ti, poeta: - Desde quando se descobriu
amando assim a teu povo? Onde mais é que se viu
um amor assim, tão probo? Um amor profundo, Isla Negra.

Aquele que te esqueceu, agora te reconhece
no cimo dos edifícios, cordilheiras urbanas
no lácio, nas oficinas...

Teu nome é cantado nas publicas Ágoras de maio
por gerações operarias no mundo inteiro.

Mas nós só pudemos cantá-lo hoje, pois o Chile tricolor
mereceu o esquecimento, a fuga das consciências relevantes
e esteve entregue a uma elite vil e conservadora.
Morreu o Chile da Unidade Popular, quando mataram a tua presença
e juventude, quando se calou Violeta Parra
e da lira maiakoviskiana de Vitor Jarra
fluiu a sua toda essência na dor do povo dizimado.
Morreste tu, oh, poeta, para ficardes etéreo
e vigilante como a um andino vento.

Um dia, há poucos anos, a TV mostrou-nos juizes ingleses dando motivos
desde o centro do império, para crer na justiça: - O monstro do Chile
perdia as suas imunidades!

E antes que as recuperasse por artes da política
em nome da “normalidade democrática”, rimos, gozamos
e nosso maior regozijo foi ver as mães ofendidas no ventre
no grito calado e no olhar triste, roubadas nas noites insones
sorrirem, sorrirem, em um muito franco sentir de alegria.

Agora nos dizem os jornais: - O maléfico verdugo do Chile
chega aos seus estertores! Que morra logo, tal verme
e leve sua semente para um solo calcinado
para que não corramos o risco de que lhe fique lembrança.

Desce aos infernos, carrasco! As humilhações do inglês desterro
em nada se comparam à orfandade promovida
crianças ensurdecidas de medo
para as quais o Lacaio dos Ianques
destampou a Caixa de Pandora
obrigando-as a que ouvissem os lancinantes gritos dos pais
cantantes da humana ventura chilena.

Tomemos um vinho do Valle Central, poeta
pois a dor que durou decênios
anuncia que a nossa fraqueza
não é mais do que força e virtude.

Não durou, o morto-vivo, mais que tu
que perduras eternamente, poesia, mais que poeta.

Sepultemos estes tempos no eterno esquecimento
a mais humana das soluções.
Nossa flama pequenina vai agora florescer.

Vem poeta Neruda, venha ver!
Acorde também a Allende
para o renascimento do Chile.
Já se derramam pelas cordilheiras
quedas de lirismo (aonde antes
só dor e desesperança), águas que vão
ao coração do pacifico
encontrar com os ventos nobres
de Frida Khallo, que vem vindo, vem vindo
desde o Valle do Yucatan
de onde a voz da liberdade, ainda nos pode alcançar.

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Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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