A poesia é um fato da cultura.
Uma necessidade irrecorrível
do espírito
e da existência humana
agua que corre no leito do rio
e encontra sentido
no corpo seco que a absorve.
Também para viver o amor
deve o corpo enternecer-se.
Para o ofício da grande dor
ou para um vaticínio qualquer
deve ter-se o coração queimado
a tocos de cigarro.
E aí a poesia nos socorre
valendo-se da memória
afectiva e imaterial
nos protege do escárnio
e da aridez de sentimentos.
A poesia traz para o âmbito
de um querer holistico
o sublime do beijo
o alheamento do olhar apaixonado
o ardil na mente
de um vigoroso pensamento.
Não se precisa chorar
um vale de lágrimas
se podes ter na algibeira
um belo poema romantico
como emplastro miraculoso
essência balsamica
lenitivo de sonhos
antídoto ao veneno
de uma noite lúbrica
ou fria e sem amor.
A poesia nos conduz, à salvo
ao primevo amanhecer.
Se a tí não for dada
a condição precária
da absíntica inspiração
deixe a poesia ser
o que for em você.
Deixe-a falar, fluir
de você, apenas.
Nada queira.
Lembre-se dos evangelistas
escribas das escrituras sacras
que nos legaram versos
e não vetusta a esterilidade
de leis religiosas.
Arte, apenas.
Foram homens pósteros
com espíritos cativos
que ali quiseram
normativas ver
onde havia inquestionável
e lírica prosa.
Estar convencido
é não mais saber.
Uma mentira, quando bela
uma duvida
fazem mais pela humanidade
do que qualquer das inúmeras
e instituidas verdades.
Depois da morte
só fica a invenção.
O mais renomado poeta
não é mais que o menor
e desditado profeta
desta difícil tarefa
de tão grande alarde
que é pregar a vida
e a arte
fazendo da poesia
a anunciação.
Ricardo S. Reis
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