segunda-feira, 12 de maio de 2008

Poema meu premiado com o primeiro lugar no Concurso Literário dos Servidores do Estado do RJ, 2007.


Ode ao Contínuo Sertão



De fato era um homem montado
de carnes e de musculos
adejantes canais na epiderme
couro e mais pelos
compondo-se em fluxos.

De fato era um homem envolto
em distância e pó
na sujeira encardida da cidade
mistura das discrepancias
ressonantes do tempo.
O sertão recuperado no íntimo
sendo aqui na plena urbes
ou nas profundas do Seridó.

De fato era um homem e só.
Que bicho não era, se via.
E embora a idade elidisse
a memória
teve uma mãe, um começo
teve, se lembra, um berço
e a sensação de regalo
na noite pia.

Ali, velho e estranho, parece
ter alcançado
o impossivel do viver
sequer sem ser visto.

De fato era um homem.
Mas que bicho parecia...
Ah, isto lá parecia!
Tão entretido nas sobras
que a caridade servia.

Por onde passava
lhe davam os frutos do chão
que se come.
De fato era um homem e comia.
Não sem sentir o alimento
adivinhar-lhe a acidez no cheiro
como um babuino o faria.

Cheirava e comia o tomate.
A vagem cheirava e mascava
macerando as fibras e o sumo.
A cenoura, que é doce, roia.
Sorvia entre os dentes
insuspeitos nutrientes
o açucar-azedo do maracujá
a seiva de raizes cruas
com a mesma devoção ritual
como que nos primórdios
uma mangangá libaria
ou como alguem que diante
estivesse da alta cozinha
de Flandres.

No alto do céu luzia, anunciando
a noite vinda, uma estrela
muito fria.

Às vezes animal
o homem pressentia quando olhava torto
de esguelha
a quem lhe notava no canto escuro da esquina.
Adultos quase nunca o reparavam, mas as crianças
e em especial, as meninas
pareciam reconhece-lo
num personagem de Grimm
um espirito da floresta.

De fato era um homem e inteiro.
Mas bem que podia ser espírito
este hominídio megalítico
que aspirava no ar os odores
da Canudos perdida, perdido conselheiro.
E mais alem
tambem o aroma dos carvalhos
da Galiza, na Península Ibérica.

Era um homem sem ter pressa
tocando a comida com a mão
em meio a avidez feérica da rua.

E sua barba longa sugere, o que
seu viver atesta:
A pureza feita de pedra
hábil Manuelzão.
De fato era um homem, já creio.
Pois que da fome enfastiada cofiando a barba
e prenhe de humanidade
num corisco empertigou
e deixando-se de estar de cócoras
rumou-se, então, para o nada.

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Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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