terça-feira, 15 de abril de 2008

Un Coup De Dés (Um Lance de Dados)


O poema visionário, antecipador da poesia moderna....



FOSSE


origem estelar


SERIA


pior


não


mais nem menos


indiferente mas outro tanto


O NÚMERO


EXISTIRIA


senão como a alucinação dispersa da agonia


COMEÇARIA E CESSARIA


brotando qual negado e fechado quando surgido


enfim


por alguma profusão espargida em raridade



CIFRAR-SE-IA


evidencia da soma por pouco fosse uma


ILUMINARIA


O ACASO


Cai


a pluma


rítmica pausa do sinistro


sepultar-se


nas escunas originais donde


há pouco sobressaltara seu delírio até um cimo


esmaecido


pela neutralidade idêntica do abismo



Stéphane Mallarmé, maio de 1897

PATRYAMADA




Libertas


quae sera dia
O teu desejo
inda que obscuro

As quimeras
de teu quarto escuro
vão Devorar-te

na Nova Acrópole lusa
da devassidão


Nas tórridas Terra Brasilis
do caju e da floresta sem fim
imersas na bruma malsã
Iara e Janaína te convidam
para um menagé a trotoir



Vai junto o Caipora


tocando a flautinha de Pã

O lobo Guará e o tamanduá
de desfraldadas bandeiras

O jacarandá e o pé de feijão

Mitos, tesão e letargia
os bens do Brasil são

POEMA PROSA DA FLOR FORMOSA







quando a rosa amena se encontra com a azálea
chora em seu ombro à soluçar a flor poema.
Com intensidade, chora sentida e desencantada.
Inveja a vida que se espraia livre, da margarida
à margens de estradas infindas.

Inveja todas as flores, as mirradas e as feias
as pluriformes, as inominadas, as marias sem-vergonha
ou mesmo as francas orquídeas, tão lindas.

Que benção então não seria
(pensa rosa) não ter mais o peso de tal beleza
ou que não existissem amantes ou poetas que lhe quisessem atribuir alguma precisa serventia
para as inefáveis artes da humana sedução:

"De que me vale ser así tan bella como eu son
se permaneza escrava desta inata condición?".




domingo, 13 de abril de 2008

um pouco do grande e injustamente esquecido mestre Souzândrade...


O Guesa Errante

Canto Primeiro

Eia, imaginação divina!
Os Andes
Vulcânicos elevam cumes calvos,
Circundados de gelos, mudos, alvos,
Nuvens flutuando — que espetac'los grandes!

Lá, onde o ponto do condor negreja,
Cintilando no espaço como brilhos
D'olhos, e cai a prumo sobre os filhos
Do lhama descuidado; onde lampeja

Da tempestade o raio; onde deserto,
O azul sertão, formoso e deslumbrante,
Arde do sol o incêndio, delirante
Coração vivo em céu profundo aberto!

.............................................

"Nos áureos tempos, nos jardins da América
Infante adoração dobrando a crença
Ante o belo sinal, nuvem ibérica
Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.

"Cândidos Incas! Quando já campeiam
Os heróis vencedores do inocente
Índio nu; quando os templos s'incendeiam,
Já sem virgens, sem ouro reluzente,
"Sem as sombras dos reis filhos de Manco,
Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia
A fazer-se...) num leito puro e branco
A corrupção, que os braços estendia!

"E da existência meiga, afortunada,
O róseo fio nesse albor ameno
Foi destruído. Como ensanguentada
A terra fez sorrir ao céu sereno!

"Foi tal a maldição dos que caídos
Morderam dessa mãe querida o seio,
A contrair-se aos beijos, denegridos,
O desespero se imprimi-los veio, —

"Que ressentiu-se, verdejante e válido,
O floripôndio em flor; e quando o vento
Mugindo estorce-o doloroso, pálido,
Gemidos se ouvem no amplo firmamento!

"E o Sol, que resplandece na montanha
As noivas não encontra, não se abraçam
No puro amor; e os fanfarrões d'Espanha,
Em sangue edêneo os pés lavando, passam.

"Caiu a noite da nação formosa;
Cervais romperam por nevado armento,
Quando com a ave a corte deliciosa
Festejava o purpúreo nascimento."

Assim volvia o olhar o Guesa Errante
Às meneadas cimas qual altares
Do gênio pátrio, que a ficar distante
S`eleva a alma beijando

Qual um vaso de fina porcelana
Que de através o sol alumiasse,
Qual os relevos da pintura indiana
É o oriente do dia quando nasce.

Uma por uma todas se apagaram
As estrelas, tamanhas e tão vivas,
Qual os olhos que lânguidas cativas,
Mal nutridas de amores, abaixaram.

Aclaram-se as encostas viridantes,
A espreguiçar-se a palma soberana;
Remonta a Deus a vida, à origem d'antes,
Amiga e matinal, donde dimana.

Acorda a terra; as flores da alegria
Abrem, fazem do leito de seus ramos
Sua glória infantil; alcion em clamos
Passa cantando sobre o cedro ao dia

Lindas loas boiantes; o selvagem
Cala-se, evoca doutro tempo um sonho,
E curva a fronte... Deus, como é tristonho
Seu vulto sem porvir em pé na margem!

Talvez a amante, a filha haja descido,
Qual esse tronco, para sempre o rio —
Ele abana a cabeça co'o sombrio
Riso do íris da noite entristecido.

O poema fundador do Simbolismo, do grande mestre Mallarmé


SALUT

Nada, esta espuma, virgem verso
Apenas denotando a taça;
Como longe afogam-se em massa
Sereias em tropa ao inverso.

Navegamos, ó meus diversos amigos,
Eu já sobre a popa,
Vós a proa que rompe em ponpa
As vagas de trovões adversos.

Empenho-me em pura voragem
Sem mesmo temer a arfagem
A, de pé, este brinde erguer:

Solitude, recife, estrela,
A não importa o que valer
O alvo desvelo em nossa vela.

Stéphane Mallarmé

Canção de volver amigo



Vem de longe, campeando plagas
Desde a portenha estância que sumia
E em bom tordilho, ei-lo que aqui se apeia



Sê bem-vindo o que se foi e agora volta
E que entre os seus é recebido em relevância
Acolhe-o num abraço, toda pompa e circunstancia



Na precisa hora em que a poesia já se entorta
Eis que chega à praça no nascer da rosa pública
E cruza aleas de flores vãs, longa avenida



Quando se vê o advento, regresso eterno, canção de amigo
Et pour cause, volta aos lirismos de toda gama
E constrói um poema que caminha sem ter termo



Ei-lo de volta, - o que se vai e o que vem vindo
É quando então num átimo, um sentimento sobe ao tino:
A alegria atroz e desvairada de menino



E a emoção desencadea a verve solta.
Que o saúdem, então, e o velem em canto antigo.
Inda o poeta bebe na fonte orgiástica e urbana
para o verter-se d’alma

Há de buscar no peito o abrigo


(em português Brasil)
Ven de lonxe, campo plagas
Desde a portenha estância que sumia
E en bo tordilho, ei-lo que aquí se apeia
Se ben a benvida o que foi e agora volta
E que entre os seus é recibido en relevancia
Acolle-o nun abraço, toda Pompeu e circunstancia
Na precisa hora na que a poesía xa se entortava
Eis que chega á praza no nacer da rosa publica
E cruz as aleas de flores vãs, longa Avenida
Cando se ve o advento, regreso Eterno
Et pour cause, volta ós lirismos de toda gama
E constrúe un poema que camiña sen ter termo
Ei-lo de volta, o que se vai e que ven benvida
É cando entón nun ai, un sentimento sobe ao tino
A alegría atroz e desvairada de neno
E a emoção desencadea a verve solta
Que a saúde, entón, e o velem en Canção de amigo,
Que inda o poeta bebé Na fonte orgiástica e urbana,
A verter-se D'alma, e buscar no peito o abrigo
(em Luso Galego)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

CINZA INTERIOR

A Ferreira Gullar
A casa é sempre presença.
É chão com falhas que esconde o cisco de ovo não varrido.

A casa ressende a café da manhã e a outros cheiros de um dia começando misturados aos ficados da noite.
A casa é o trabalho dos anos
é a oclusão dos cantos
é a ruminação dos insetos.

A casa é o vento forte da tarde.
É a espera pela chuva para o viver do telhado.
A casa é saudade, é beiral de abrigar ninhos
algaravia das andorinhas.
É amor de pai
prontidão de filho
promessas de eternidade.

A casa é o vinho do porto
acalentando uma noite fria
noite de amor lúbrico.
A casa é o choro da criança
é lugar de morte e de vigília
a casa é a casa da fazenda
donde se avista, desde o alpendre
os pastos no vale umbrífero
lá no longe da memória.

É útero ubérrimo, a casa
a parir os aconchegos
e a preguiça doce do não-ser.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Carta a um jovem poeta


Paris, 17 de fevereiro de 1903
Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer;
a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons.Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverátornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrassenuma prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta éque encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.
Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.
Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa. Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por este amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.
Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.

Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke

A Mulher em Flor


A flor do amor deriva

O seu perfume

De sua intensa luz

Ou da dor do ciúme?

Ah, este tom encarnado, esta cor

Esta ilusão mais forte que a verdade

Ah, esta úmida e recôndita flor

em cártula preciosa de feminina beldade

Ah, este radioso e rubro lume

Este hálito que incendeia

Aos instintos

Pétalas viçosas, acesas

Ou pequenas e confrangidas

Quando em atilado frio

Nós, os homens, como iremos sobreviver

Tão frágeis que somos

Ao amor, quase veneno

destilado pela inaudita

flor do cio?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

DE TANTO AMAR

QUANDO TE VI, súbito
ornou-me o espírito
a esperança
de que me pudesses amar

Não há promessa mais vã
nem uma que mais engane
que mais se negue à virtude
do que a promessa
de um amor puro

E este, o amor, com certeza
expressa em toda a excelência
o pendor comunicativo
dos homens

Ao amar-te assim, profundo
eu, egoísta que sou
intimamente me ligo ao mundo

Amo-te, pois, para ser tu
compassivo como o amor prana
a imatéria amante que se espraia
e que transpõe o alto muro
a carne do Deus dos ateus
em sua face mais humana

Amo-te, pois, para ser tu em sendo eu
Para querer os teus próprios quereres
privar de teus nédios momentos

Amo-te para te-la em meus braços
ou para rete-la em pensamentos

Amo-te, mesmo que me reste perde-la
por inúteis os meus pífios poderes
por tão frágeis os meus poucos talentos

Evoé!

Saiba que a sua visita e o seu comentario dão sentido a este espaço, que alem de divulgar poemas, quer conversar sobre a vida. Esteja em sua casa.

Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

Seguidores