terça-feira, 27 de julho de 2010

"Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda ciência
herdada, ouvida.  Amor começa tarde".

Carlos Drummond de Andrade

DRUMMOND NO TEMPO INTIMO

Que nada restou de ti, poeta e do tempo enfunado?
Que tudo? O quê da bem querência?
Teus pares, Dolores,
haveres, teus males da vida e amores.

Os achaques do tempo
perduram no gesto
nas guerras a revisitar
nas alcovas consentidas
na foto na parede, Itabira sacrificada.
No batente da janela corroída
a maresia por remanso.

O que restou do Rio de 40?
Restou a tua mão patética em recolhimento
os óculos ovais que denunciam o cansaço
e o sentimento ruinoso do mundo.

E como saber se não foi sonho  se não foi sanha
a poética refletida no olhar da pomba
verdadeira, perdida no passeio Público?
E se ao toque do bumbo da praça em frente
ao Cinema Olinda, o homem sisudo e tímido, enamorado
da dama antiga, ainda se assombre com o estribilho do bonde.

Suspeito que roubas discreto do Carlitos, a eterna cena.
Repara. Embora falte o sentido que te parecia intimo
e necessário, habita a alma algo da canção amiga
das memoraveis sentenças, dos versos tecidos na sombra.

E é esta alma que já se cogita
ser assim mais do que flama,
- um poema.

domingo, 25 de julho de 2010

LANGUIDEZ

                                                A Cláudia Gonçalves



O poeta solitário caminhava em devaneio.

Ia triste no marulhar das gentes a reparar.

Dúbio, perdidas palavras, agravavam o pensar

E não traziam o remanso da brisa do mar a meio.



O que lhe faltava? O que lhe sobrava? Qual seu momento?

Algo bem no fundo lhe dizia que o tal enternecimento

Anteciparia a ventura de saber que, desde o sul

Viria no vento minuano, a lira e o sentimento.



Amalgava-se no peito a saudade de olhos de claro mel

E de angelicais mãos que sequer se deram - e pressentidos

Havia os beijos de rubilita, no outono, - jamais sentidos.



E o poeta sonhava a musa de apego assaz tão liquido

Que lhe vinha no verso a marina brisa e um violino na distância.

A lassidão da lua e o langor d’alma a aplacar-lhe a ânsia.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

PARA PENSAR A EXISTÊNCIA

Quando consideramos como é vasto e próximo de nós o problema da existência, esta existência ambígua, perturbada, fugidia, semelhante a um sonho – um problema tão grande e tão próximo, que encobre e sobrepõe todos os outros problemas e finalidades logo que tomamos consciência dele – e quando consideramos que todos os homens, com exceção de alguns poucos, não são claramente conscientes desse problema, nem parecem perceber sua existência, mas se preocupam antes com qualquer outro assunto e vivem apenas no dia de hoje sem levar em conta a duração não muito longa de seu futuro pessoal, seja contentando-se em relação a ele com algum sistema de metafísica popular; digo, quando considerarmos tudo isso, podemos chegar à conclusão de que o homem só pode ser chamado de ser pensante num sentido muito amplo. Nesse caso, não nos surpreenderá nenhum gesto de irreflexão ou tolice, pois saberemos que o horizonte intelectual do homem normal pode até ultrapassar o do animal – cuja existência, sem nenhuma consciência do futuro e do passado, é inteiramente presente -, mas não esta tão distante deste quanto se supõe.


Arthur Schopenhauer

domingo, 11 de julho de 2010

POEMETO SOBRE O AMOR

O amor quando acontece
pode ter a genética
de um tornado
arrasador e insólito.

Mas o há aquele que amarelece
no sorriso tímido do rapaz
e o que no esperar da moça
vai empoeirar-se.

O que haverá de ser
de um acontecimento
mesmo acentuado e forte
com um tal sentir de gosto...

e que inda por ser assim
é de tal fragilidade
que nasce musgueando
pelos cantos nas ruas
na cidade nos becos da sede
na relva triste das tundras
no charco raso das várzeas
e que toma de tudo conta
como hera de parede?

É preciso proteger
um tal sentimento
do impiedoso jardineiro
estóico senhor do condado
que mora num rancho no fundo
do bosque mais sombrio do mundo
que vem de quando em vêz a lume
aparar as ramagens novas
de qualquer coração descuidado.

AMOR AO PÉ DA LETRA

O poema de pé quebrado
versava sobre o amor
só vivia tropeçando
claudicante em seu ardor.

O poema guardara no peito
imagens daquela tarde
relvas casas e o céu
azulzinho da serena cidade.

Na brisa quente o poema
por sua paixão eterna
indo com rima ou sem rima
flanava ao rés-da-terra.

Por amor sublimava
os erros e faltas mortais
dado que voava sem asas
e que andava sem ter pés.

De amor pouco compreendia
palavras, dispêndio, o que mais?
tentava o poema expressar
uma noite virada em dia.

Assim o poema sem chão
qu'inda não entendia nada
levou tudo ao pé da letra
e continuou na estrada.

sábado, 10 de julho de 2010

AVIS-RARA (Luxúria)

tu então te entregues
quando eu for te rasgar
a anágua
para te ver aguar
como mina preciosa.

se te for buscar no céu
como Eros, como Ares
o Deus capital
no ar bucólico da tarde sensual.

e buenos te serão los aires
enquanto tu, pássaro de apego
mantiver no peito o desejo
que ainda te arde.

e seja assim ou então
em definitivo pare tudo
e emparelhe o teu corpo
se encaixe ao meu
chegando, assim tão perto
tão perto, que nunca mais
bote reparo neste jeito
tão incerto de ter-te.

Ricardo Reis

sexta-feira, 9 de julho de 2010

CARCAZ

Como areias no deserto-pensamento
palavras ditas ausente amor e senso
baralham-se ao vento sem o espanto

Se cala o verso ao mar do mesmo vento
em que a fala no signo em vão resvala
fica a palavra coagida ao espetáculo

Todavia se o poema toma-se em prumo
e de de per si recupera a liberdade
no vento-mar, trama de puro encanto

A verdade do momento então desliza
volta a palavra ao intimo vernáculo
adormecendo o seu anverso à deriva

E faz-se a ânima-poesia em lume-seta
para ver-se ao céu, ao ar, ao vento
onde há o devir por rumo e senda

Evoé!

Saiba que a sua visita e o seu comentario dão sentido a este espaço, que alem de divulgar poemas, quer conversar sobre a vida. Esteja em sua casa.

Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

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