segunda-feira, 19 de maio de 2008

Lusco-fusco




Alguns signos se erguem como emblemas de anunciação
Aos elementos me levam, gotas de chuva, torrentes
Sementes, ventos furtivos, segredos de aluvião.

Quando o sol se faz presente, no estio carrega o vento
E ofusca o fugaz momento.

À tona o lusco das pedras raras
Mistura-se ao brilho da paixão.

Se radicam os sentimentos

Outrora tão compassivos.
O corpo toma-se de cobiças dormentes.
A volição de um mormaço

Que é prana, vital energia.

Basta o aroma ávido da terra

E um beijo roubado a ninfa
Que a esta lírica elegia

Tão doce vem alumbrar.

Oh, tais tontearias que me fazem
Em êxtase caminhar sobre águas.
Pelo o rastro da maresia, ir-me
Seguindo e no intimo repetindo
O heróico ânimo de uma grácil bateira
Rompendo tormentas no mar.

A andorinha


Ah, surpresa constante
faz o livre vôo da andorinha
sobre a campina em flor;
vôo rasante, irregular
regido pelo rumorejar
de ares frios no dia nascente.

Vai ao sul; não mais.
Vai ao leste; ou então
volta atrás, parecendo
renascer como Alceste.

Ah, como é franco este voar
que imprime contra o azul
um tão pequenino porte.

Como as assertivas
em meus versos
a andorinha, vareja
sempre sem norte.

A Minha Canção do Exílio



Ah, a minha pátria sem palmeiras
onde eu pudesse sonhar
esta pátria, como um rio

Como um monte verde, um cio
chuva intensa a estiar
Ah, pátria minha que me agride

Mas ensina-me a evitar a morte
na permanência e na poeira
a minha pátria é rasteira

E eu? sou mais um cristão sem sorte
no corpo da minha pátria
carpindo, carpindo,
eu faço brotar o grão

A minha pátria é o beijo da mulher
que me ativa e alimenta, saliva feita de vinho

boca com gosto de pão
corpo, mente, peito forte
meus pés cravados no chão.

Sanhaço

A alteridade em vão nos pugna
faz ao espelho buscar a tua imagem
para irmos juntos
co´as as almas flamas
refletidas sempre desde aparte.

Se a prosódia é por estilo
transitivo o verbo Ser há de tornar-se
posto que para amar-te
mais do que querer, é preciso Ser-te!

Se pouso em teus olhos tristes, e umedeço
e se ao grito surdo do mundo eu silencio
se em teu verso solto me reconheço
arauto de um viver confuso que anuncio

este amor que tive e que me esqueço
é um ardor mais profundo que fastio.

Ferve em ti a epiderme, no equinócio ou veranico
como um sanhaço tece a enlaçada trama, fio a fio.

Quisera a alumbrada seiva dos desejos;
a claridade do sorriso na fronte bela.
Quisera os sons perdidos no solfejo
e de manhã no céu bruxuleante
o derradeiro sortilégio de uma estrela.

No claro/escuro, ao fulgor da vela acesa
velar-te em longo beijo de cinema
num filme amante em que por fraco
eu anoiteço.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O grande mestre e poeta maior do Brasil...



A MÁQUINA DO MUNDO

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Evoé, mestre da poesia....



O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.

Charles Baudelaire

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Lua no breu


a lua quando nasce
é um cisco
semente
serenata
flutuando ao léu

de corpo crescente
ou minguante
uma nau
brincante no céu

que navega e reluz
entre as estrelas
entalhes de prata

luz que silencia
no alto
um enigma
que a todos conduz

caminhemos
tu e eu
em alento júbilo
de peregrino
pela clara beleza da noite

enquanto a lua
agora plena
vai desafiando o breu

Cláudia Gonçalves & Ricardo Reis

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Poema meu premiado com o primeiro lugar no Concurso Literário dos Servidores do Estado do RJ, 2007.


Ode ao Contínuo Sertão



De fato era um homem montado
de carnes e de musculos
adejantes canais na epiderme
couro e mais pelos
compondo-se em fluxos.

De fato era um homem envolto
em distância e pó
na sujeira encardida da cidade
mistura das discrepancias
ressonantes do tempo.
O sertão recuperado no íntimo
sendo aqui na plena urbes
ou nas profundas do Seridó.

De fato era um homem e só.
Que bicho não era, se via.
E embora a idade elidisse
a memória
teve uma mãe, um começo
teve, se lembra, um berço
e a sensação de regalo
na noite pia.

Ali, velho e estranho, parece
ter alcançado
o impossivel do viver
sequer sem ser visto.

De fato era um homem.
Mas que bicho parecia...
Ah, isto lá parecia!
Tão entretido nas sobras
que a caridade servia.

Por onde passava
lhe davam os frutos do chão
que se come.
De fato era um homem e comia.
Não sem sentir o alimento
adivinhar-lhe a acidez no cheiro
como um babuino o faria.

Cheirava e comia o tomate.
A vagem cheirava e mascava
macerando as fibras e o sumo.
A cenoura, que é doce, roia.
Sorvia entre os dentes
insuspeitos nutrientes
o açucar-azedo do maracujá
a seiva de raizes cruas
com a mesma devoção ritual
como que nos primórdios
uma mangangá libaria
ou como alguem que diante
estivesse da alta cozinha
de Flandres.

No alto do céu luzia, anunciando
a noite vinda, uma estrela
muito fria.

Às vezes animal
o homem pressentia quando olhava torto
de esguelha
a quem lhe notava no canto escuro da esquina.
Adultos quase nunca o reparavam, mas as crianças
e em especial, as meninas
pareciam reconhece-lo
num personagem de Grimm
um espirito da floresta.

De fato era um homem e inteiro.
Mas bem que podia ser espírito
este hominídio megalítico
que aspirava no ar os odores
da Canudos perdida, perdido conselheiro.
E mais alem
tambem o aroma dos carvalhos
da Galiza, na Península Ibérica.

Era um homem sem ter pressa
tocando a comida com a mão
em meio a avidez feérica da rua.

E sua barba longa sugere, o que
seu viver atesta:
A pureza feita de pedra
hábil Manuelzão.
De fato era um homem, já creio.
Pois que da fome enfastiada cofiando a barba
e prenhe de humanidade
num corisco empertigou
e deixando-se de estar de cócoras
rumou-se, então, para o nada.

sábado, 10 de maio de 2008

poemeto sobre o amar



O amor quando acontece
pode ter a genética
de um tornado
arrasador e insólito.

Mas o há aquele que amarelece
no sorriso tímido do rapaz
e o que no esperar da moça
empoeira-se.

O que poderá de ser
de um acontecimento
mesmo acentuado e forte
com um tal sentir de gosto...
e que inda por ser assim
é de tal fragilidade
que nasce musgueando
pelos cantos nas ruas
nos becos da cidade
na relva triste das tundras
no charco raso das várzeas
e que toma de tudo conta
como hera de parede?

É preciso proteger
um tal sentimento
do impiedoso jardineiro
senhor da razão do condado
que mora num estóico rancho
no fundo do bosque sombrio
e quando vem a lume
vem aparar as ramagens novas
de um coração descuidado.

Floreios a Baudelaire


As flores nos desvãos
são desvios
desnovelos, desvelos
desvarios
as flores rés do chão.

São floreios
ao céu, ao espírito
flores de libertação.

Cativas belezas
eternas e mudas
as flores de pedra
são flores ao léu.

As flores são cores sobrepostas.
As flores, rotas ou vivazes
enfileiradas e mortas.

As flores retas
são as flores
ainda mais tortas.

Flores da diva, flores da vida
flores dádivas, flores cápsulas
flores do embuçado, do enforcado
são as Fleurs du Mal.

BLOW BY BLOW


Sou como um
penacho na aura
da tarde.

Não sou livre
se não sei
para onde ir.

Sou prisioneiro
do desvairo
dos ventos frios
da tarde.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Serelepe a Mario Quintana


Os deuses que me redimam.

Nunca me ocuparam a mente

como o fizeram as mulheres.


Todavia, vem chegando a idade

em que a tesão parece serenada

e a vontade que dá, é a de partir

para a Pasargada do Bandeira

abraçado a mulher amada.


Mas o diabo é que vem de lá

uma moça qualquer, bem faceira

requebrando serelepe

e eu já não sei se parto ou se fico

reparando-lhe a saia rodada.

Evoé!

Saiba que a sua visita e o seu comentario dão sentido a este espaço, que alem de divulgar poemas, quer conversar sobre a vida. Esteja em sua casa.

Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

Seguidores