domingo, 29 de novembro de 2009

CANTAR-TE ALGO EM FADO

A Laura Esteves

Cantar-te algo em fado, profundo
Um grito d´ave do empíreo, estridente
Como em sombras, em vôo solo reticente
Sem sentido, sem rumo no albor do mundo.

Perdida, pois, na mente, a poesia se faz alada
E me diz que sim, diz assim, diz que não
Ao se navegar pelos ares, em tão bela toada
Que se alevante poeira ocre do limo do chão.

Sea a essência da trovoada, mesmo, torto enfado
Cu´que voas magoado sobre carvalhos minhotos.
Encantado, queria além, cantar-te algo em fado...

Algo que no tempo, inda arda em querências
E que da remota dor, se estimando em dormências
Não me obrigue pois estar à calada. e mais nada.

O Fado do Menino Morto *

Escriba estes pensamentos no ano D’el Rey de 1854.
Pola janela do cuarto e desde o jardín madrigal
se lanza por sobre a sebe o meu ollar fatigado.

Fito ao ancho un féretro que arriba ao outeiro en fronte
pola estrada que se espraia no azular do horizonte.
Nel se van vultos mobles, escuro.
Son como contrapontos, homes, mulleres e cabalos
atados á coches funéreos, de sólida tomados.

Dentro do coche principal jaz un neno
que non tivo tempo de se-lo,
e já se vai, casi dor, envolto en tênue penugem.
Un casi feto, cuberto de luz, de lume fátuo e de nuvem.

Esta mañá eu li no obituário do xornal provincial:
"Se morreu da malária malsã, o fillo único
do digníssimo notário".

Alí vai el! Eu o vexo! Digna, de cabeza baixa,
vai como triste pai, liderado o cortejo.
Acompaña dorido a procesión de tales almas en perfil.
Uns empregan sombrias fatiotas
Como estar se debe en un funeral de anjo.

Fito e por máis que olhe, inda que así
de apartado, non podo entender a clave
que en un tal fado elucide o divino arranjo
que de tan raro, faise en insólito arte.

Pregunta: ¿Como é que Deus deixa morrer así
pequeno, así tan preto, no pleno flores
da primavera, e mesmo antes do arrabalde,
antes do fastio da paixón lle arder no peito?

¿Como é que deixa Deus morrer un neno
antes de este se dea conta de o pracer
que vén c'os ares dun matinal frescor?

¿Antes de atinar nas picúlas e nos oficios
de Malazarte? ¿Antes de sentir as paraxes do tempo
nas tarde idas ao balance á sombra frondosa
dunha árbore? ¿Deixar morrer antes do calor
do afectan, que é da vida é a mellor parte?
* em luso-galaico

A pomba no metrô

A Raimundo Correia

Eis que a alva pomba ia-se avoada
no ruído e no terror ia perdida.
E eu a observava e via condenada
assim tomada, de não prever saída.

Quanto mais em asas a ave debatia
mais se afundava no súbito negror.
Aturdida, no ar recluso do metrô
desembalada, fugia de bólidos

comboios, que nem em sonhos antes vira.
Eram trovões imensos, multidões
e nunca mais
um parapeito de prédio alto
ou o grato milho.

Nunca mais nenhum sonir de lira
no toque suave da manhã no arvoredo
a exausta pomba iria inspirar.

O mínimo cuore que no peito lhe palpita
esta pronto para espocar de tanto medo.
Antevê, a bisonha ave urbana em delírio:
- o corpo aéreo, em plumas mais leves
que o ar, caído, morto, sem remédio...

Sem paradeiro, em renovado pavor
estala as asas numa fuga aflitiva
e ainda mais num afã mal sentido
até que se abranda, a pomba
por conformada a ter-lhe chegado
assim, a termo, a vida.

Ah, esta pomba suja e feia!
Pobre e esbaforida ave irmã!
Tu que foste musa do poeta Correia
e que já empunhastes, do Espírito Santo
o frio cetro, vestistes o manto...
Tu que já voastes em excelência
sobre pomares de maçãs
agora cruzas o meu caminho
nestas abóbadas celestes artificiais
(não os céus) de ruídos e túneis
absolutos e sombrios...

Pois é justo neste ar metálico
que teus assombros finos
se confirmam, e que de resto
te faltará a existência.

Já o sentes! O bico fendido
os olhos saltados, vermelhos
no ultimo arrepio...

E a pomba verdadeira
entre dormentes, carcaça caída
no trilho do metrô
morre triste sem mesmo nunca
ter encontrado a saída.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Acordar dos sonhos (Dos dilemas do Ser)

Quero abraçar-me a ti
dentro dum sonho

Tu vindo a caminho
eu indo...

Abraçar-nos com a mirada
incorporando a nós tudo
que nos separa
e então nos une

Fechar os olhos e
abraçar-te
abraçar-me em ti

Pertencer ao Universo dos teus braços
Entregar-me ao calor
com que proteges meus segredos

Sentir a minha alma passar para o teu corpo
Senti-la ir-se
para o teu lado da pele
e saber que virá de volta
sendo tua
sendo uma
inseparável
da tua...

que entra em mim
acordando sonhos passados
e o saber de que nem tempo
nem espaço

Concha Rousia, Galiza

domingo, 22 de novembro de 2009

Os rios e os montes do Rio de Janeiro

I

Suaves montanhas de brutas rochas.
Mata atlântica de nervura infesta
Como os pelos da pubis da mulher
No vertice das pernas sinuosas.

Um amor perdido na cidade
Como existem desejos perdidos
Traineiras perdidas das rotas
Como putas nas esquinas da urbe.

As montanhas são maciças, momentos
De graça, beleza cinzelada
Na pedra e na eternidade.

A cidade não precisa ser perene.
Só almeja ser luz e fugacidade.
As montanhas abraçam a eterna cidade.

II

Na cidade como aratus desembarcados
Tambem os homens vagam perdidos.
Já as montanhas são de pedra, maciças
Sustentam o céu, são mestras vigas.

Por vezes céu platinado, por outras céu de anil.
Os sonhos, porque me sonham? Por me choram os céus?
E as águas, porque das pedras escorrem tanto
As águas que vertem no Brasil como prantos.

O que é do sorriso dos puros? dos homens?
O que é das crianças largadas, sem sonhos?
O que é do medo de enchente, de aguaceiro?

A cidade das águas efluvias e latentes.
A cidade mar e montanhas, das Águas de Março.
A cidade sem planos do Rio de Janeiro.

domingo, 15 de novembro de 2009

NO BRUAR DAS AGUAS FRIAS

no rumorejar dum tempo ido
pola loca de água fria
água bruta que opera e brota
em silencio e no tempo
de um metrônomo marcando
o compasso do viver perdido.

cobrejando em curvas a água ia
fazer-se em caudal de ribeirão
uma vereda cuja rota cruzava a vila.
e na vila nada se via, fiada
no oficio das orações, perdia-se.
e se perdia também no olor
da aguardente, pola serra de Bryon
e no entorno, pola bruma, perdia-se
entre seres das brenhas, os abellons
e a brisa passando, a tarde a bruar
por tras-os-montes, passando,
a passar e já é um rio
que daqui vai renascer no mar alem.

desde a igreja, inda o cantochão
non dava noticia do rio que passando
dista-se no arrulhar.
as aguas fervilhando nas pedras
é o que agora se escutava, alem
de ecos habeis e perenes.

o vital mecanismo das pontes
que atravessam o ceu
e levam polo ar o trem voador.
há pontes do engenho humano
trançadas em aceiros,
a suplantar abismos e desterros.

embaixo das pontes
arrulha um som apurado
que é mais que o azar
dispondo as notas tonais.
é o som das aguas frias
de grave e profunda beleza
tão leve como nunca se obteve
na mais formosa das sinfonias
e a terra na distancia
como estendido comentario
de pedra e de pó era medida no mugir
de um garrote abandonado
que à nai clama na capoeira perdida.
o muar sabe que inda opera e brota
em silencio
a agua e o relogio do tempo
em seu compasso desdobrado
polo sol e polo esterco, pola
brisa do Terral, saneando homens,
gado, levando desejos...

penso na Rosa e em Pondal
fundantes de minha alma varia
e ventura e tudo se esvai num minuto
em repentino e fugaz momento
na ausência lusa que me retorna
como o lampejo primal
de uma fratria imortal e oclusa.

Artur de Bastavales, Vigo, GALIZA, 2009.nov.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Este, já o sabes, é do "outro", o grande mestre! Bem entendido!

Tão cedo passa

Tão cedo passa tudo quando passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.


Ricardo Reis
(Fernando Pessoa)

CANÇÃO DE AMOR E DESPEDIDA I (soneto inglês)


A Eduardo Pondal

Canção de Amor e Despedida
A Eduardo Pondal


Amo-te passarinho, em teu vôo contido ao solpor
Como haveria de amar-te livre no pleno do esplendor.
Meu bem! Acolhe este pequeno pássaro cansado
Que’n asas leves leva a ti o meu louvor.
Amei-o ao vê-lo ao chão, assim, ciscante
E por ter, lesto, o portal do céu cruzado.
Oh, ingente passarinho que carrega-me o desejo:
Depõe-no aos pés da bela dama, e a todo o seu ardor!
Que esta sinta-o na intenssidade unica de um beijo!
Dizlá que aqui ando triste, inda que pola fé mais cabal
Decida-se-me como pena, a ventura maior deste amor!
Dizlá, oh passarinho que transpõe o grande pélago
E de pronto a mia casta donzela tributa este carinho
Desde aziago desterro, coa tristeza de amar sozinho.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009


HOJE

ESTOCOLMO

MAS
JÁ FUI
MUITO

IRAQUE


Poema do grande Clown e Poeta Dalmo Saraiva

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

POEMA DO DESCONTENTAMENTO


Cansei de viver metade
metade do tempo
metade do amor

de dizer meias verdades
e não ser íntegro comigo mesmo
não ser inteiro, conciso.

Cansei de buscar sentido
em bebidas, pernas compridas
em distâncias: chegadas e partidas

em sair desesperadamente
pra outro lugar sem saber por que
sem nunca encontrar.

Cansei de viver aos bocados
obter parcelado do nada
viver como pedinte

coadjuvante de mim mesmo
considerado estúpido
menos, pouco, irrelevante

engolir o cuspe seco
o sangue, o choro, o dia.
Violentar o próprio corpo

com sorriso nos dentes
desperdiçando o melhor de mim.
Cansei de ser assim.

Fabiano Silva PA

domingo, 1 de novembro de 2009

O Alvor e o Breu do Amor


Se há lua por acima, no céu
E sobre o mar, sobre o deserto
Porque tu vais para tão longe
Se de ti, cá, eu estou perto?

E se a lua é, portanto
Este puro alvor, um puro encanto
Linda, que linda e perdida
No insofismável do breu...

Para dizer-te de meu amor
Nada mais há que me oprima.
Descabe aqui a escassa rima
Para o já precário verso meu.

Evoé!

Saiba que a sua visita e o seu comentario dão sentido a este espaço, que alem de divulgar poemas, quer conversar sobre a vida. Esteja em sua casa.

Ricardo Sant'Anna Reis 21.9170-9004

Ricardo Sant'Anna Reis  21.9170-9004
"rondava a rosa à poesia pelos jardins das flores tanto mais diversa a rosa quanto mais forem os amores". Sociólogo, poeta e editor, publiquei em antologias e recebi alguns premios literários. Tenho dois livros: "Diario da Imperfeita Natureza" e "Derradeiro Prelúdio" (no prelo). Pretendo aqui interagir com voce sobre poesia ou qualquer outro assunto relevante.

Seguidores